17.9.03

I Castrati
[Os Cantores Capados]

O canto desenvolveu-se particularmente na Itália a partir de 1600, quando a monodia acompanhada suplantou a polifonia. As duas tendências, que coexistiram desde a origem , eram perfeitamente dominadas por Monteverdi. Mas, no século XVII, o amor pelo bel canto (buon canto, depois bel canto) acabou por triunfar, fazendo com que os cantores alcançassem total domínio dos ornamentos vocais (vibrato, trinados, roulade, coloratura). A ópera napolitana, exportada para toda a Europa, firmou-se e assegurou por longo tempo o triunfo do virtuosismo vocal.
O Reinado dos castrati

O gosto pelo virtuosismo chegou ao seu ponto extremo com o fenômeno do castrato, indivíduo que, por meios cirúrgicos que o tornam eunuco, conserva, depois de adulto, sua voz de criança, acrescida de tudo que pode proporcionar a cultura e a arte de um adulto. Os castrati reinaram na Europa do século XVIII. Formados em escolas especiais, adquiriam um virtuosismo inigualável (capacidade de sustentar a respiração, velocidade, domínio do timbre, extensão de três oitavas, expressividade, etc.). A ópera italiana era escrita para eles , na qual tanto faziam papéis masculinos como femininos. A questão da verossimilhança em nada incomodava a platéia da época (imaginem um Júlio César com voz de soprano!). Os castrati de sucesso foram as vedetes da época barroca, ganhando fortunas que fariam nossos grandes astros do cinema parecerem amadores. Farineli cantava 150 notas de um só fôlego. Era um homem sério e um grande artista, que percorria a Europa disputado a peso de ouro. Tendo cantado para Luís XV e recebido, a título de agradecimento, um cofre de ouro constelado de diamantes, cheio de moedas de ouro, declarou, indignado, que jamais voltaria a pôr os pés naquele país de mendigos...
Este fenômeno a um só tempo sociológico e artístico torna bem difícil, ou mesmo impossível, a execução de boa parte do repertório vocal do século XVIII. A instituição dos castrati estaria, de certo modo, ligada à proibição eclesiástica do canto das mulheres nas igrejas. Mas o fato de que os castrati tenham sido tão apreciados - no reino laico de Nápoles como nos Estados pontificais, na música profana como música sacra ? sugere uma estética bem própria da época e ligada a uma concepção específica da sexualidade.
O último castrato famoso, Moreschi, morto em 1922, gravou em 1902 alguns preciosos registros.

Mozart, no final do século XVIII, os excessos do virtuosismo vocal provocaram uma reação. Mozart devolveu à voz feminina toda a sua dignidade, integrou o drama e fez do cantor uma "personagem" ' Daí, a maravilhosa plenitude de suas obras, admirável síntese entre o bel canto, reduzido a suas justas proporções, e a expressão lírica e poética.
No apagar das luzes do romantismo, três gênios - Verdi, Wagner e Debussy ? iriam, cada um à sua maneira, revolucionar a arte do canto, graças às novas exigências que suas estéticas vieram impor a cantores e cantoras. No mundo contemporâneo, produziu-se com o canto a mesma mudança que se deu com a orquestra: haverá necessidade de tantas técnicas e estéticas do canto quantas forem as novas obras para ele escritas.


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